Rui Gouveia - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Rui Gouveia
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Rui Gouveia é revisor de imprensa.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tenho dúvidas quanto à curvatura ou inclinação das aspas superiores. Nos processadores de texto costumam aparecer aspas retas na vertical, ou aspas curvas ligeiramente inclinadas para a direita (tanto a final como a inicial). O meu processador de texto analógico (mão) costuma curvar as primeiras aspas à direita e as últimas à esquerda, para "acomodar" o texto ou palavra. No entanto, vejo muitas pessoas a fazerem exatamente o contrário: inclinando as aspas (quase sempre retas) na direção oposta do texto. Gostaria de saber qual a representação manual mais correta.

Obrigado.

Resposta:

Esta é uma questão de gosto e de estilo (caligráfica) em que não cabe a noção de correto ou de incorreto. Seria como discutir qual a forma mais correta de escrever uma determinada letra, por exemplo, o e:

​Não se pode dizer que uma seja mais correta que outra, cada pessoa terá a sua forma de escrever. O mesmo acontece com as aspas, sejam elas subidas ou angulares.

Repare que até os processadores de texto podem ter diferentes "caligrafias", conforme o tipo de letra que escolhemos. Há fontes (como se chama a essas coleções de carateres com o mesmo estilo) em que as aspas subidas não têm qualquer inclinação (por exemplo, em Garamond, não há diferença gráfica entre as aspas que abrem e as aspas que fecham), há outras em que as aspas de abertura aparecem de uma determinada maneira, e as de fecho aparecem de maneira invertida (como Times New Roman), do mesmo modo que há outras (como Verdana) em que as primeiras inclinam para a esquerda, e as segundas inclinam para a direita, ou casos em que ambas inclinam para o mesmo lado, seja a esquerda ou a direita.

Tal como não se pode dizer que é mais correto escrever um texto em Times New Roman do que em Verdana, também em termos «manuais» – para usar a sua expressão – não se pode aplicar a noção de «mais correto» ao modo de grafar as aspas. O que deve haver – e se recomenda, seja a título pessoal, seja em qualquer outro registo (institucional, público ou não, publicações de qualquer ordem, como livros ou jornais, etc.) – é uma uniformidade no uso do tipo de aspas escolhido. Para isso existem os livros de estilo, com essas recomendações incluídas.

Por exemplo, aqui no Ciberdúvidas, optámos pela aspas angulares [« »], para as transcrições de obras consultadas e/ou para as citações de alguém ou de algum organismo, e as aspas levantadas...

Pergunta:

Queria, antes de mais, agradecer a possibilidade de aceder a este fórum a que tantas vezes recorro para esclarecimento de dúvidas. Aquela que hoje aqui queria deixar prende-se com a transcrição, em textos de processos, do que uma testemunha disse. Assim, vê-se: «(...) e ele testemunha disse que...»

Pergunta: testemunha deverá ser escrito entre aspas, ou aqui não é necessário? A minha dúvida põe-se devido a testemunha poder ser utilizado como uma forma verbal do verbo testemunhar. Claro que neste exemplo não causa confusão, mas há situações em que poderá causar.

Resposta:

Não me parece que o recurso às aspas seja o mais apropriado para desfazer a ambiguidade que possa existir entre a forma substantiva e a forma verbal que a palavra testemunha pode assumir. Para esse efeito, no caso que nos apresenta, dispomos das vírgulas (1), dos parêntesis (2) ou dos travessões (3):

1. «(...) e ele, testemunha, disse que...»

2. «(...) e ele (testemunha) disse que...»

3. «(...) e ele – testemunha – disse que...»

Há, na língua portuguesa, muitas palavras homógrafas (palavras com a mesma grafia e significado diferente), como a deste caso, e é o contexto que costuma encarregar-se de desfazer a eventual confusão.

Pergunta:

Na imprensa escrita, nas notícias dando conta de manifestações em várias zonas do mundo contra a guerra na Faixa de Gaza, é comum a referência à expressão «rua árabe». Atendendo ao seu significado, não deveria ser «rua-árabe»?

Resposta:

Sou capaz de concordar consigo. A expressão em apreço não se encontra no seu sentido literal, não significa «artéria urbana das arábias». Estando num sentido figurado (a palavra rua, figuradamente, também significa «massa popular»), de «opinião pública árabe», é boa ideia recorrer ao hífen para desfazer ambiguidades. É graças ao hífen que, por exemplo, não confundimos rabo de cavalo (a cauda do equídeo) com rabo-de-cavalo (o penteado), nem meia noite (metade de uma noite) com meia-noite (a hora em que o relógio marca 0:00 ).

Assim, no contexto referido pelo consulente, rua-árabe revela-se mais eficaz em termos de comunicação, com o hífen a sinalizar o sentido metafórico do composto.

Pergunta:

«Fraternidade no Mundo»... ou «fraternidade no mundo»? «Neste espaço da Europa e do Mundo»... ou «neste espaço da Europa e do mundo»?

Resposta:

Nas frases em questão, escreva mundo com inicial minúscula, pois não é nome próprio.

Veja os seguintes exemplos:

Em vez de dizermos «Fraternidade em Lisboa», podemos preferir referir-nos a esse topónimo assim: «Fraternidade na cidade», e fazemo-lo sem necessidade de maiúscula em cidade, apesar de aqui valer o mesmo que Lisboa.

Em vez de dizermos «Neste espaço de Portugal», podemos preferir referir-nos a esse topónimo assim: «Neste espaço do país», também sem necessidade de maiúscula em país, embora aqui valha o mesmo que Portugal.

De igual modo, nas frases que nos apresenta, não querendo usar o nome próprio do planeta (Terra), pode usar mundo para referir a mesma realidade, sem necessidade de inicial maiúscula, tal como fazemos em expressões idiomáticas com a mesma palavra, como «correr mundo», «enquanto o mundo for mundo», «vir ao mundo», etc.

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