Falar-se sobre a questão da diversidade da representação gráfica nas/das didascálias – em «itálico e também entre parêntesis, e noutros só numa destas situações», tal como a consulente indica – implica debruçarmo-nos sobre a especificidade do texto dramático que, como texto literário e por oposição ao narrativo, «se caracteriza pelo seu "radical de apresentação", pois o seu autor textual está oculto, dissimulado, quer em relação às personagens, quer em relação aos receptores do texto, cabendo às personagens, aos agentes da história representada, que comunicam entre si e com os receptores do texto, a assunção da responsabilidade imediata e explícita, sem mediadores intratextuais, dos actos de enunciação» (Vítor Manuel Aguiar e Silva, Teoria da Literatura, 5.ª ed., Coimbra, Almedina, 1983, p. 604).
De facto, se analisarmos a particularidade da dupla enunciação do texto dramático – constituído por um texto principal [que é actualizado em cena pelas réplicas ou falas das personagens] e por um «texto secundário (formado pelas didascálias ou indicações cénicas) –, damo-nos conta de que somente através das didascálias ou indicações cénicas «o autor textual se pode manifestar explicitamente» (idem). Por conseguinte, será nas didascálias ou indicações cénicas que o leitor implícito poderá apreender «a presença [do autor textual], elocucionalmente destituída das marcas pronominais e verbais de primeira pessoa» (idem, pp. 604-605).
Ora, se o autor não utiliza, no mesmo texto dramático, o mesmo código gráfico nas didascálias, decerto que isso não foi por acaso, pois num texto literário nada é “inocente”, tudo está carregado de sentidos. Apesar de o texto das didascálias não ser dito em cena, não podemos negligenciar a sua importância, porque a representação de um texto dramático é fruto da «concretização oral do “texto principal” […], mas resulta concomitantemente da transcodificação intersemiótica das didascálias: os enunciados destas, no texto teatral, estão transcodificados em actos, em movimentos dos actores, em objectos, em cenário, em efeitos acústicos, em espaço cénico. Por isso mesmo, a ostensão – no modo de significar e de comunicar mostrando, apontando o indivíduo, um objecto, um evento – constitui um dos meios essenciais da semiose teatral» (idem, p. 615).
Como as didascálias são textos que servem «de suporte da orientação cénica» (Biblos, Enciclopédia Verbo das Literaturas de Língua Portuguesa, vol. II, Lisboa/São Paulo, Verbo, 1997, p. 200), as várias formas gráficas escolhidas servem, decerto, para assinalar uma mensagem do autor, de que são um código que representam realidades diferentes, que o autor não quer que passem despercebidas. Essa é a sua forma de comunicar com o leitor, o encenador e os actores, levando-o a penetrar no universo da ficção que criou. Por exemplo, Luís de Sttau Monteiro, em Felizmente Há Luar!, usa notas à margem a negrito [sempre que dá indicações do carácter das personagens, do seu estado de espírito no momento, das suas emoções e reacções a qualquer facto, algo que implica um grande conhecimento da densidade psicológica das personagens, do domínio do secreto, do particular], texto em itálico entre parêntesis [para dar conta das atitudes, dos movimentos, dos gestos, da luz que incide sobre este ou aquele, tudo o que é do domínio social, que é ou pode ser visto por qualquer um que esteja presente na acção] e o texto em itálico sem aspas com que introduz cada uma dos a(c)tos [que nos apresenta o espaço cénico, o ambiente físico e social do início da acção].